quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Marcantonio Costa

 

Marcantonio Costa nasceu no Rio de Janeiro e vive em João Pessoa, na Paraíba. É artista plástico e escreve poemas. Ainda inédito em livro.




 

 

 (***)

No momento em que todo objeto
é qual pássaro morto,
e de extrema concentração em
ser
porto,
ao qual tudo o que se atraca
não está de retorno,
e no permanecer consiste,
aceno um lenço ao zarpar
da pergunta
se o sempre-distante
realmente existe.
No momento em que todo objeto
é qual pássaro morto,
e de extrema concentração em
ser
porto,
ao qual tudo o que se atraca
não está de retorno,
e no permanecer consiste,
aceno um lenço ao zarpar
da pergunta
se o sempre-distante
realmente existe.

  

(***)

 

 

Um anjo sombrio
acompanha os teus dias,
como um planeta em órbita
ao redor do sol que tu és.
Anjo que não guarda a ti,
mas o teu inexorável futuro.
Foi destacado de uma legião
- alma racional do mundo -
e lotado numa repartição
do teu cérebro.
Não saberias dizer
se ele veio do longínquo,
um asteroide que se avizinhou,
ou foi aglomerado de partículas
que de ti se desprenderam.
Certamente esqueceste
que ele nem sempre esteve
ao teu lado,
e apenas se prontificou
quando ganhaste consciência
da tua própria existência.
E desde então sonhas em vigília
castrar aquelas sinistras asas.

 

 

(***)




Qual o teu espaço, poeta?
Que dimensões ocupas?
Talvez a dum dedo vazio
entre os cinco de uma luva,
ou então inflado, perpendicular
aos outros esvaziados,
dirigindo ao mundo um aceno
de dedo revoltado ou obsceno.

 

 

(***)

 

INSUFICIENTE

 

 

Todo o léxico é pouco:
não é bastante a oceânica
língua
para inundar o silêncio da
planície.
Pouco.

 

 

(***)

 

 

FÍSICA

 

 

Gostava de aplicar
a expressão vasos comunicantes
aos nossos olhos,
nossos ouvidos,
nossos sorrisos miscíveis
e ao nível comum de nós
à altura das nossas bocas.

 

 

(***)



Uns versos curtos,
para um fácil decolar da página,
menor superfície de contato
e aderência.
E nem assim eles flutuam.

 

 

(***)

 

EXTRAVIO

 

 

Do grande rebanho
dum dia triste,
se desgarraram
muitos minutos de alegria,
mas o pastor carrancudo
e desleixado
nem os percebeu fugir.

 

 

(***)

 

 

Eu me retiro do poema,
saio pelos fundos,
dou a volta
e fico de fora,
olhando da vidraça
embaçada pela minha
respiração.
Não há de ser indiscrição.

 

 

(***)

 

 

Sábado
ainda pede sapatos,
algum desfilar.

Domingo,
pés descalços
para o ar.
Mas, ainda que
desocupados,
não há quem os faça
levitar.

 

 

 

(***)

 

 

NOTIFICAÇÕES

 

As minhas unhas
Estão retroagindo,
Os meus cabelos
Tornam à origem.
Os amigos o notificam
Entre si.

O espelho me retém
Num amanhecer.
Sinto o ar puro
Espalhando o sal
Recolhido às horas,
A minha nuca recebe
O sol futuro.

Meus pensamentos beijam
As duas faces do dia.
Os lírios me doam
Todo o seu vestuário.
A corte de Salomão
O notifica.

Meus pés alvejantes
Purificam os esgotos.
No coração engendro
Rotor de helicóptero.
Constato que as nuvens
Têm piso dourado.

Meus olhos superam
A miopia e abrem
As conchas distantes,
Aferem os perímetros
Propícios às miragens,
Os viajantes urbanos
O notificam.

Minhas palavras agora
Calçam patins.
Os dias do calendário
Disparam feitos gametas.
As linhas das minhas
Palmas hoje são espirais,
E as quiromantes tontas
O notificam.

 

 

(***)

 

 

APORTE

 

Forneço subsídios ao silêncio,
Não o medo, mas a perplexidade,
Essa cama que flutua entre as auroras.

Mas não entendo teu mutismo,
O crepúsculo no teu palato
Quando fechas a boca, o vácuo,
Ausência parcial de sensibilidade da língua:
Perdeu-se o gosto das palavras,
O salino, o adocicado, o cítrico, o amargo.

No entanto, comunicamos,
A pele é que é impelida
A trair a ruptura do verbo (nervo crítico),
E o corpo captura o desejo omitido:
Mal o teu púbis se insinua, aflito
Algo em mim se levanta, grua,
Então se enraíza um diálogo acima do silêncio
E, no mais, temos dito.



(***)

 

 

LUMINOSA

 

Anoitece,
e tal como suponho aconteça
na vida pessoal,
os planos distantes
são os primeiros a desaparecer
até a resistente nitidez
do foco central
onde se finca a aguda pata
do compasso existencial,


e a circunferência das sombras
se retrai,
até o ponto onde se grita:
luz! Mais luz!
A sobrecarga impossível,
antes da queima do circuito 

e da escuridão total.


(***)

 

 

SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO

 

Ao ouvir o som do meu coração
Sinto-me especialista em criptografia,
Intruso, espião em território estrangeiro,
País governado ditatorialmente
Pela vida.


(***)

 

 

 CRÔNICA

 

Um velhinho passa
sob a minha janela,
camisa surrada,
calça jeans, sandálias
e boné.


Claudica.


E me enterneço,
como preconceito
de que está cansado
de levar sua história

anônima, banal
e pesada,
a pé.

 

 

(***)

 

 

OBJETOS SUJEITOS AO AFETO

 

1-

 

Os óculos
ao lado
da caixa de fósforos,
casual epigrama:

ver sempre depende
de algum tipo de chama.

 

2-

 

Livro de poesia
e garrafa de vinho:
arranjo dionisíaco,
ethos etílico.

 

3-

 

Folhas brancas
para desenho
sob o bloco de notas:
onde larguei a chave
da porta?

 

4-

 

Café e açúcar
aguardam
o encontro amoroso.

 

Xícara emborcada,
a alcoviteira.

 

4-

 

Um livro fechado: Platão.
Por enquanto, apenas
um sólido geométrico
no mundo das aparências.
Ou potência que aguarda
um ato.

 

6

 

O relógio digital de mesa,
objeto mutante:
a cada segundo
novo semblante.

 

7-

 

Laranjas,
bananas,
mangas:

 

o sabor inocente
ainda
detento
sob as cascas.

 

8-

 

O cinzeiro: túmulo.
Nenhuma fênix
borralheira.

 

9-

 

As roupas
no varal –
olhar é despir
previsões.

 

10-

 

Sapatos empoeirados
e hirtos,
exaustos de andar
em círculos.

 

11-

 

Caixas velhas,
velhas caixas:
o que fazer com isso?

 

Jogar o seu oco
(nicho)
no lixo.

 

12-

 

Falta fotografia,
no porta-retratos:
esclerótica retangular
sem a íris. E
a menina dos olhos.


 

COR MENTAL

 

Uma cor se expande sobre outra
Na permeabilidade da fala,


Mas não tão velozmente como
Quando são apenas pensadas
Na ausência de superfícies:
Auréolas impermanentes, ralas.



(***)

 

 

O CONHECIDO

 

Chega o momento,
Não sei se natural
Ou propiciado pelo teu arbítrio,
Em que nada é surpreendente.


E mesmo que vejas coisa inusitada,
Ela logo terá formal identidade
Por efeito de alguma remota analogia.

Pois tu já terás preenchido
Teu conceitual álbum de figurinhas,

Somente revisões

E a sobra das trocas
Preencherão as importunas entrelinhas.

 

quarta-feira, 18 de janeiro de 2023

ALINE MONTEIRO

 Aline Monteiro nasceu no Rio de Janeiro e já morou em João Pessoa. É o que se pode chamar de brasileira da gema. Ao todo morou  em doze cidades de oito estados diferentes distribuídos em quatro regiões. Atualmente reside em Princesa Isabel-Pb, onde é professora do IFPB.

É graduada em Letras- Inglês e Mestre em Estudos Literários pela Universidade Federal de Rondônia. É uma artista do corpo e da palavra. Tem poemas publicados em antologias organizadas pela editora do Clube de Escritoras de Rondônia.





Aline se considera norte-nordestina, mas questiona a invenção das fronteiras. Seu pai era pernambucano, a mãe é paraibana. Para ela, as quatro regiões do país onde viveu convivem dissolvidas umas nas outras, dentro de si.
 

Foto: 88mm - Cleber Cardoso



Anseia por confluências  entre diversas linguagens artísticas como poesia, performance, dança, fotografia e o  que mais surgir no caminho. Busca descolonizar seu corpo-território para encontrar  outras formas de existir e resistir no mundo.

 

todo corpo que
circula pela cidade
sabe o preço da rua


***

gargalhada de Exu
é te avisar dos riscos
e te ver fazer
o contrário dos ensinamentos

Exu olha a mentira
na cara e debocha


***


a rua 
não engana
eu que me engano
por mim mesma
e gracejo
na boca do perigo


***


meu peito
não cabem metades

não me queira
em partes

aqui até o
vazio é completo

 

***

 

 

 

I.

sempre peço ao universo

que me mande qualquer recado

por escrito

mas quando vem assim,

em sorriso,

não entendo, mas deixo anotado

 

***

 

II.

os fios da rua

encarceram a lua num retrato

e então ela sobe para a

sua liberdade celeste

 

eu nunca tinha visto uma

churrasqueira na calçada

e queria te mostrar a

vista da minha sacada

sem lentes ou telas

apesar do verde renovado

pela chuva

das minhas plantas novas

a esperança esmaece

 

tenho vontade de te escrever

um texto e enviar

sem editar

sem pensar no que ele

deveria ser

 

como a lua que não edita seu

trajeto por causa

das nuvens

queria mandar a

palavra crua

 

observando o satélite que percorre

seu caminho arredondado

sobre as órbitas

dos meus olhos

percebo também que

são cíclicas as

palavras amedrontadas que

se movem sob eles

 

enfim, não era nada

disso que eu pretendia

dizer, mas que

controle tenho eu

sobre os im

pulsos agridoces do

eu texto

 

***

III.

sei que pareço ca

ótica e desconectada

mas sou boa em pro

porcionar carinho sei

fazer cha

mego e me dedico  com a

finco à

arte da

presença

 

*

 

IV.

a coragem de sentar

sob a mangueira no

verão não tenho

 

circulo a praça e

acho meu canto

 

(queria estar

abraçada

no banco da praça)

 

não espanta a

ausência da algazarra

das crianças

 

-anda tudo tão

perigoso

 

ouço motores

mas não aqueles

incansáveis

geradores de

energia infantis

 

brinquedos aguardam

mãozinhas e roupinhas

para espaná-los

 

queria que

ninguém morasse

no banco da praça

 

o palco

iluminado –

rodeado com

seus pilares

estéticos que

não têm muito

o que segurar –

poderia encenar dias

sem medo

 

e já que não

tá chovendo

a gente admiraria

a copa das árvores

e a lua que brilha


talvez esse dia

fosse uma centelha

 

*

 

V.

 

cre

scer

com(o)

a lua

 

encher de

luz

***

 

VI.

gestando a mim

mesma

fecundei

me úmida

embebida em

desejo

desde então alimento

meu sonho-ser

 

no parto

não me deixo.

molho cada

passo-Oxum

deslizo em

minhas carnes

acolho o

vermelho do

caminho como se nele nadasse

 

desmancho-me

em som

pulso nas ondas

que cismam

repetir ci

clicamente


morro para nascer

minguo para encher

vibro para ser

sim

sinto

soul

sonho


sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

ANGÉLICA LÚCIO

Angélica Lúcio nasceu em Patos, no Alto Sertão da Paraíba. É jornalista profissional e poeta. Participou de algumas antologias paraibanas. Ainda inédita em livro.





"Angélica Lúcio trabalha com rigor e economia nas palavras. Há em seus poemas um tenso equilíbrio entre o elemento mineral , que serve de referência à maioria das imagens, e a inquietude de uma alma que oscila entre os apelos da carne e a salvação."
(Chico Viana)





Pétrea

Por vezes,
me sinto pedra
pele salgada
sob a língua vermelha
em esgares de náufrago
estátua translúcida
sumindo em saliva:

a eterna mulher de Lot.




Pérola


Minha dor é molusco
e se faz de ostra:
sempre me enclausura.
Brinca com hipocampos,
faz cócegas em Netuno
e me quer sua filha.
Talvez uma pérola.



Sacrossanta

 
Se sois santo
havereis
de me querer
todos os dias
- corpo e hóstia –
Aos teu pés
Imolando-me no altar
 
se santo não sois
por que havereis
de me querer
pura e pedra
e também sacrossanta
por que não esfinge
- pronta a te devorar?


 

 

Antífonas
 
Não sou fraca por obra de Deus
em mim, os seios pedem abrigo
as dobras do corpo, flagelação
por  isso, valho-me de rezas,
terços e xaropes
e me desdobro em antífonas:
antes o gozo do que a morte
antes o cancro do que a salvação.

 

 

O gato
 
O olho do gato
tem outro gato
no espelho
 
tem outro pêlo
no fio
tem outra lida
no sê-lo
 
tem outra vida
no cio
tem outra luta
no relho
o olho do gato
não sabe da vida
um fio
não sabe da noite 
um pêlo.

 

 

Tessituras
 
Se me esqueço
em novelo de dedos
não me fio em roca e fuso
de tessituras alheias.
Ainda que fique sem pão
colher de pau e jasmim
tapete de tez vermelha
ventilador e dentifrício,
Ainda que perca o elo,
não me fio 
e me fecho em minotauro.

 


 

Filhos
 
Meu pai
pensava filhos
como se quisesse açude
pomar curral e galinhas
fazia filhos
como se pensasse
em sítio: 
de sua carne.

 


quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

MARIANA TABOSA

Paraibana de Pombal, Mariana Tabosa começou a se interessar literatura ainda na infância quando também começou a experimentar a escrita. Na adolescência esse gosto pela literatura aprofundou-se com a leitura de Cecília Meireles, Florbela Espanca e Clarice Lispector. Inicialmente não pensava em escrever livros, todavia já tem dois livros publicados e bem recebidos pela crítica e pelo público. O primeiro deles foi "A mulher Fósforo e As nve Caudas da Raposa. É doutora em literatura e atualmente vive no Canadá.




Sobre o seu segundo livro, escreveu a poeta Socorro Nunes: "Esta Raposa de Mariana "não cabe em uma fotografia", suas caudas gestadas numa linguagem enxuta e mínima, "constroem um jardim não acadêmico". O silêncio cortante após a morte, o falo sem vida, indicam a impotência do corpo e do ser diante do nada que se avizinha, alertam os versos de Mariana: "a morte traz um silêncio/ que é como um apito/ agudo e fino/ que só os cães podem escutar". A poeta sabe da simplicidade e da suavidade da morte, pois são moléculas que também atravessam a poesia dando origem a um "caleidoscópio" "que nunca se repete". Em tempos de pandemia, "a mulher forte" e suas nove caudas armam-se de instintos, palavras, sentidos e desejos, pois "centenas de planos deixados/ pelo caminho/ o vírus convida a regressar ao/ instinto, afinal/ somos animais que precisam ganhar por mérito o direito de ser-estar-por mais um dia". Cabe a nós tomar o suco, curar a cicatriz e esperar o ressoar da raposa-poesia num ciclo que não se repete e não se submete ao relógio. Se a vida não é uma linha reta, diz a poeta, seguimos o caminho singular de cada texto. E migre, se for preciso."


POEMAS DE MARIANA TABOSA



Parafilia


A minha poesia
certo dia
teimou em mudar

Viu que precisava de maldade
desprendimento
E flertou com a realidade

Pensou  que poderia ser
como "poesia de homem"
mas feita
mesmo por uma mulher

(- E poesia tem sexo, tem biologia?)




Túmulo para pagantes


O museu é uma importante reunião de
coisas mortas selecionadas e organizadas
em uma história inventada e certa

Tudo está meticulosamente exposto
desrespeitando o caos natural
e agradando a ideais do presente

O museu guarda coisas sem dono
é catalogação sem ação.
Construção de memória sem passado

A cultura transfigurou o seu verdadeiro significado
((de túmulo eterno para falsos fetiches)
e garantiu os pagantes




(***)

Viajo para praticar a
DESAPRENDIZAGEM
para perder muitas coisas
para abandonar
para DESCRESCER
Verdades absolutas
impressões doentias
Comportamentos sãos
Falsas alegrias.


(***) Metáfora fria

Não sei qual é a cara da Criação não sinto mais a salvação da Metáfora fiquei fria Sou o feminino sem emoção. Tenho ovários, mas não Produzo.




Vida acadêmica Retrato da desnatueza
Árvore: tem vida, não tem Movimento pé que não frutifica Pé Fincado É vaso de cristal, montado por especialista em loja de shopping com flores de plástico Túnel de vento sem vento Vácuo no vazio - Retrato de pai e mãe.

segunda-feira, 16 de maio de 2022

MARGARIDA LUCENA DA HORA

Margarida Lucena da Hora nasceu em Guarabira.



Margarida Lucena da Hora é paraibana de Guarabira e nasceu em 16 de abril de 1924. Morreu em 2010, em Recife-PE, onde residia desde 1944. Na época, mudou-se para Pernambuco com o objetivo de prestar vestibular para a Faculdade de Direito. Foi sócia fundadora da ABDE, hoje UBE-PE – União Brasileira dos Escritores. Seu trabalho como escritora aparece em diversos jornais, domo Jornal do Commercio (PE), Diário da Noite (PE), Jornal da OAB-PE e Jornal Pequeno (PE). Também em revista como Continente, Horizonte, revista Branca (RJ) e foi traduzida para o Espanhol na revista Francachela, de Buenos Aires. Casou em 1948 com o escultor Abelardo da Hora, com quem teve sete filhos.

Para o jornalista e escritor Willian Costa, “A poesia de Margarida é de qualidade, de um lirismo que não se deixa contaminar pela pieguice e é de belas e fortes imagens, onde a autora, por meio do eu poético, revela suas emoções, sua leitura acerca da vida, da natureza, do amor e da arte. O leitor ficará, com certeza, satisfeito em perceber que a poesia de Margarida não está afastada da qualidade estética da obra do marido. O que as diferencia é apenas a linguagem: um faz poesia com bronze e a outra, com palavras”. O livro Poemas Reunidos foi publicado em 2008, em Recife e republicado pela Editora A União, em 2022.

 

MEU OFÍCIO

 

Não sei se a mágoa me procura
Ou, inquieta, eu a busco em punição.
Prisioneira do imperfeito, sinto erros
No perfeito, teço abismos do meu chão.

Circunstância no malogro eterno,
Passo a passo caminho no imprevisto.
Recolho e retorno do passado
No ontem, o fenecer do amanhã.

Floresta sem força, sem espinhos,
Na sombra, amadureço sem memória
Buscando no espaço das palavras

A voz e a canção do ressurgir.

 

 

REFLEXO

 

Esta face que se evade escura,
Este corpo que se verga na noite,
E, áspero, queda ferido
Entre palavras e lâminas,

Do chão ressurge,
Para o espaço das estrelas.

E na mais alta montanha
                              se desdobra,
                                        ilimitado,
Na madrugada fugaz.

 

 

PRELÚDIO

Passeia e passa
Sem olhar para trás.

Uma estátua de pedra
Tornará
Teu sangue, tua carne,
Mineral.

Ressurgirás
Com os deuses
No deserto.

 

 

CANÇÃO PARA AS DEUSAS DE PEDRA DE ABELARDO

 

As estátuas choram
Sobre elas me debruço,
Abro as portas na escuridão
E troco angústias e sinais.

No cenário,
Os olhos da lua
Espelham,
Suas pálpebras de pedra,
Seus corpos de deserto.
Eterno,
O Deus dos labirintos,
Vigília e punhal,
Costura em sudário,
Sufoca o lamento,
Apelo de vida,
Que num brado,
Estátuas desatam.

 

 

POEMA AO VENDEDOR DE PIRULITO
(Escultura de Abelardo da Hora)

 

Uma mancha de sombra no chão secular,
Um traço de poeira no céu todo azul,
Acordes tirados de lábios famintos,
Distante harmonia ferindo o silêncio.

O sol na calçada enxuga teu pranto
Que cala e se perde no chão e na pedra.
Teu passo é caminho de tempo e de luta,
Teu canto pregão enfeita a miséria.

Os homens não sentem a muda censura
Que cobre teu rosto de adulta tristeza
E fere teus membros, menino sem lar.

Os homens não veem a trágica beleza
Que mora em teu corpo pesado de andrajos,
Vestido de sons que chora teu peito.





Fonte: Jornal A União.

 


 


Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Francc Neto

  Minha jornada como poeta começou na adolescência,  publicando poemas em revistas e jornais.  Ao longo dos anos, minha poesia foi reconheci...