sábado, 11 de março de 2023

Linaldo Guedes

 Linaldo Guedes nasceu em Cajazeiras(Pb), onde reside atualmente. É formado em Jornalismo e mestre em Ciências da Religião, pela UFPB. É poeta e editor, idealizador da Editora Arribaçã. Ex-editor do Correio das Artes. Publicou Intervalo Lírico, Metáfora para um duelo no sertão, entre outros.

 


 

 

 

carrossel de silêncio

meu filho fala sozinho

no meio das crianças
brinca com ninguém

finge-se de gato
imita o cachorro

au
au
au
autista

(e o mundo finge que ele não existe).

 

4 estações

as estações mudam:
o que era primavera de chuva
torna-se inverno quente

ou vício sem verso
sem poesia
na hora em que as coisas se benzem na ausência de orações

as estações mudam:
o que era outono florido
torna-se verão frio

ou verso sem o vício
da poesia
debulhando rituais adormecidos na hora do ângelus.

 

girassóis do mangue

foi quando passei da ponte do Sanhauá
que vi restos da orelha de Van Gogh
(sangrando o rio)

mangues de diálogos com zola
girassóis de caranguejos
meninos e as mãos. E a lama!

 

ladainha

um oásis se constrói com desertos

perto
(ou)
longe

um oásis se constrói em desertos

perto
(e)
longe

um oásis se constrói
(e os desertos?).

 

libação

difícil para um mortal entender uma deusa
decifrar seu olhar lento, em direção ao mistério

e o mortal ali: calado, inquieto, agoniado
como se fosse uma onda querendo rebentar o mar

mas sem uma quilha, é quase impossível navegar

ainda mais quando suas mãos agem

(e elas agem)
num estranho ritual de libação

enquanto o mortal zera a bússola
e descansa na terra firme daquele pulsar.



A fala da fala do mar

 

 

ouça, o mar fala conosco

sussurra lições do eclesiastes

 

brada aos ventos

 

(nada)

em moinhos quixotescos

 

o mar canta aritmética

implora a pitágoras

a perfeição, a perfeição de deus

 

o mar

fala a nós de camões

e do fraco rei que torna fraca a forte gente

 

o mar

estupida o irreal

o mar, sabemos,

sim é real

 

som sem melodia

 

ah, é música!

 

(vamos dançar, agora?).

 



A noite demora a cair em Buenos Aires

 


a noite demora a cair em Buenos Aires

como um tango de Gardel que quando se vê já dançou

e você ficou ali, na esquina do obelisco

falseando o castelhano

para entender o cigarro nervoso do hermano

que passeia as ruas centrais com seu vício

enquanto nosotros traduzimos livrarias

 

a noite demora a cair em Buenos Aires

porque o diálogo com cortázar

não é mais difícil do que torcer por maradona

jogos de amarelinha no Caminito

jogos e paixão na bombonera

na ateneo, a sentença de borges

incapaz de imaginar um mundo sem livros

 

a noite demora a cair em Buenos Aires

(mas cai)

e traz casais dançando numa praça qualquer da cidade

e o passeio por cafés, cafés e cafés

até ver o silêncio esnobar a madrugada

e você tirar o sol da algibeira

para que a noite possa subir em Buenos Aires.

 



Bica

para Vinícius Guedes

 


jacarés

em silêncio

ruminando o bote na natureza humana

 

leões na jaula

- presas da civilização

 

araras

em voo para o nada

: gaiolas de ilusão

 

macacos

em saltos graciosos

(bananas ao homem)

 

(no passeio, palmas para os acuados animais

que não assustam nem as criancinhas).

 




Cabo Branco e outros mares

 

 

trago medos da barreira de cabo branco

saudades de barracas e agueiros

meu pai beliscando uma agulha

o menino que corria nas areias do sol

 

trago memórias do sal de tambaú

e do imponente hotel, cartão postal da maresia

lembranças do mercado, dos bares, da lua

o menino lambendo os dedos afrodisíacos

 

trago a solidão escura de manaíra

e o descampado vazio de seu calçadão

cantigas de nada para os pescadores da vida

cantigas de espumas nos pescados dos pratos

 

trago outros mares que jogam suas ondas em minha lida

bessa, e seus bares da moda

a penha, com seus hábitos populares

o seixas, onde o sol nasce primeiro

jacarapé, onde os corpos morrem primeiro

 

trago alegrias do cabo branco da infância

e medos, do cabo branco amanhã

trago dores e os banhos de sargaços na alma

trago suas tatuagens, marcando minha pele no azul do mar.

Chico Lino Filho

 Chico Lino Filho nasceu em Coremas(Pb) e reside em João Pessoa. Publicou “poemas de amor e silêncio”, “Abajur de Lua”, “Paixão movediça” e “Inverno Invisível”. Possui parcerias na área musical com diversos artistas. Participou de antologia organizada pela Biblioteca Nacional.

 


 

 

coremas

 

minha saudade

despenca

ladeira abaixo até

a praça de coremas.

o coreto, a grama,

e o coração dando

voltas na infância.

 

 

Poema

 

os rios guardados

em mim

descem descem já

secaram

 

tal e qual minha infância

em coremas

lá no açude guardada.

 

se de lá nunca saiu

é porque teve mãe dágua.

os rios guardados

em mim

pouco matam minha

sede

 

os patinetes, a praça,

os beijos doces

de Neide

 

o mar me é muito

imenso

para caber a infância

os meus rios, ao contrário, caberiam

em suas ondas.

 

já coremas cabe

em tudo

na infância que ficou

 

até na rima perdida

se eu fosse rimar

amor.

 

 

 

 

o que é a paixão?

 

a paixão é tiro

no ouvido

suicídio ou morte

natural?

 

afinal, do que é feita

a paixão? de coisa feita?

do amor que nem fez

ainda?

 

a paixão é feita

das retinas dos

olhos?

 

ou os olhos são

a paixão que germina?

e o coração aonde entra

nas retinas?

 

a paixão é o coração

em bom estado?

afinal, do que é feita

a paixão?

 

das mulheres que se amam

em partículas

ou de partículas do coração?

 

 

 

 

 

somente um fado

 

 

enfadado,
o poema me pede
um fado.

sequer um fado
eu sei de
cor.

peço gentilmente
ao poema
que me deixe só.

 

 

 

Abajur de luz

 

No alpendre
da casa-grande
o abajur era
a lua.

 

nas enormes janelas
a lua caía que nem
luvas, minhas tias
as vestiam

 

(os noivos tinham
promessas de chegar).

 

talvez viessem
com a lua

e desmontassem dela
com buquês de luar.

 

a lua era clara
entre os noivos
(e a janela também)

 

os abraços que
fossem para o escuro.

 

 

Poema ao bigode de meu avô

meu avô com bigode de alfenim
era dono de engenho,
que pena tenho do seu bigode
hoje amargo. 

seu bigode doce doce
diziam as negras do engenho,
meu avô se ria
com cara de tacho. 

meu avô perdeu seu bigode
de alfenim e as negras se foram
na lembrança do bigode doce doce,
perdido na velhice
deixou de ser alfenim.

as negras não queriam o fim,
queriam o bigode de alfenim
mesmo assim, meu avô preferiu o riso amargo,

meu avô não soletra
o mundo moderno nem as mulheres gostosas
que seus olhos espiam.
hoje, bigode raro, se suja no mel
do seu catarro.

 

 

Meus córregos

 

dos córregos recolhi
meus pés.

eles na infância eram
meus sapatos fiéis.

 

hoje, não os calço.

 

trago-os na memória
para curar meus
calos.

 

corri nos córregos, não
corri dos córregos.

 

o tempo me fez andar mais
rápido.

 

os córregos são imagens
que me atravessam
como riachos.

quinta-feira, 9 de março de 2023

Jeovânia P.

Jeovânia P. nasceu em Natal(RN) e reside em João Pessoa(Pb). É professora, mestre em Filosofia. Publicou entre outros, Palavras poéticas e Quem abriu a boca da pedra. Trabalha com oficinas, minicursos e palestars sobre literatura feminina negra.


 




POESIA QUE PIPOCA

 

 

com a inspiração fervendo
pôs letras na panela-papel
não tampei
para assim poder olhar
as palavras saltitando
feito pipoca
enchendo a boca de quem faz poesia

 

 

RECADO

 

 

Menina
Nunca se esqueça
De levantar
Sempre que cair

De lutar
De resistir
De levantar a cabeça
De pensar

De pensar
Nunca se esqueça

Esse ócio reflexivo
Pode lhe salvar a vida
De tantos modos
Que nem dá pra contar

 

PODER

 

Seus olhos me batem mais que o chicote
Seu silêncio ordena
Essa serva obediente

Só grito se me é permitido
Troco de lado
Viro senhora do servo
Oriv serva do senho

Cativa e cativante
Mordo a mordaça
Enquanto açoitas essa loba

 

 

PELES

 

minha pele sobre a sua
mistura-se
une-se

como uma coisa acoplada a outra
que quem vê não diferi

minha pele sobre a sua
é a expressão mais simples
de carne nua 

 

 


NEGRA NO TRONCO 

 

A árvore serra
Sangra
Sua seiva
Minha essência de vida
Meu sangue que escorre pelas costas nuas cheias de chibatadas
Minha regra que escorrega pelas pernas

A árvore serra
Lava a terra com vida
Com essa vida que se esvai de mim

 

 


FORÇA FEMININA

 

 

Há em nós uma força ancestral
Que vem de dentro da terra
E encontra suas raízes em nosso caminhar

Que pulsa uns gemidos de dor
Outros de prazer
E mais ainda de resistência

Que corre no espelho
A nós afagar 

Que segura a lágrima
E nos põe forte
Renovando nosso ser 

Essa força encontra em nosso ventre
O lugar ideal para brotar

 

 


Amor negro


Percorre todo o corpo
Uma alegria
Uma festa por dentro 

Sempre que ele está perto
A felicidade me visita

Anda de mãos dadas com o amor
Bate na porta
E me beija
Essa felicidade negra

Alcança as noites
E os dias

E põe pó de pilimpimpim
Na vida





Rosilene Leonardo

 Rosilene Leonardo da Silva, nascida em Princesa Isabel PB, formada em  Letras e pós-graduada em Psicopedagogia Clínica e Institucional. Professora, poetisa e escritora, membro da Academia Princesense de Letras e Artes, membro correspondente da Academia de Letras do Sertão de Pernambuco, coordenadora do Grêmio Literário “Joaquim Inojosa”.






Caverna

 

Fumaça, poeira, pólvora e lama
Nessa caverna que as vezes me escondo,
Sou mais um morcego estranho sem gana
Achado nos restos desse escombro.

Sozinho a voar, com asas de veludo
Na inconstância lida e rasgada do verbo,
Meu riso em gotas molhado e de luto
Empoeirando a luz que aborta meu ego.

E nessa umidade que a pele esfria
Esfriam as palavras, paredes, lamento,
Enquanto a minha alma chorosa de dia
Pousa na caverna de meus pensamentos.

 

 

  A poesia compensa

 

A fome insaciável,
O tempo que não se tem,
O sentimento ingrato,
A solidão.

Compensa o pão,
A fatia estragada,
O violão choroso,
O silêncio doído,
A espera,
O encontro,
A volta. O grito.

Compensa o mar,
A enchente,
O sol,
Os pardais perdidos,
O suspiro,
O abrigo,
A marca,
A tatuagem.

A poesia compensa a poesia,
Compensa o café quente,
Morno.
E o que não foi feito
E o leite derramado
Que queima de repente.

Ela compensa
O começo – meio – o fim.
A poesia compensa
o verbo e a interjeição! 

Compensa o silêncio e o que foi falado.
Compensa o que resta,
O que ficou guardado.
Compensa as esferas,
As atmosferas,
No incólume verso
Compensando a fé.

A poesia compensa
Vida derradeira
Assim sorrateira
Se mostrando quem é. 

 

Castidade


E quem negará que o amor não é carne?
À mesma medida sujeita o desejo à alma?
Verás este que nega, quando despido for
Quando o calor de querer, roubar-lhe a calma.

Eis que a fé treme, corpo, fogo e vela
Na quentura da pele que ama em desejo
Enquanto mais peca mais sente, mais arde
Se demorando nos lábios, bebendo no beijo. 

E o amor mesmo impuro, coberto por alfaia
Derrama igual vinho pelas bordas da taça
E o bálsamo da carne misturado ao frescor
Usa manto de desejo, por debaixo e desfaça
Não há quem negue a carne que inflama
Duradoura em sabor mesmo na efemeridade
A nudez de uma alma que se confessa em sentir
Não desampara o pecado, nem merece castidade.

 

Legado

  

No leito que durmo, eis o meu pecado
Fingindo ser santa, fingindo ser puta
Que beco escondo a bandeira, a luta?
Fumam o que sou, cuspo meu legado. 

São sombras dementes, ausentes e frias
Que expulsaram a vela, fogo pequenino
Quiseram mulher, chorona - menino
Moldando leis em contos de fantasia. 

No chão que piso, rachado em meu peito
Remendo o vestido, com flor de algodão
Bordo o céu com linhas, de minha libertação
E tão má, pecadora volto ao meu leito.

 

 

Receita

 

O grito abafado
Foi o gemido engolido
Que poderia ser palavra
Mas não passou de uma mancha
Que o cigarro não fez.
A mão que doía
Parecia ser carinho
Que poderia ser amor
Mas não passou de uma dor
Remendada pelo tempo.
Correntes ou laços
Costumam prender
Não só os cabelos
Mas o sorriso, e a dimensão.
Há um espaço, uma grota,
Uma brecha, uma porta, um escape
Um espinho, uma gota, uma moda
De qualquer coisa que sobra
E a gente põe na panela
Fazendo nova receita
Mastigando bem triturado
O grito antes abafado
A palavra que dança
Na bandeira.
E a mancha, a dor e o laço
Derreteram no fogo
Eis o bronze no peito
Mulher assiste do pódio
Nascer sua nova versão.

Pinto do Monteiro

 Severino Lourenço da Silva Pinto – Pinto do Monteiro (1895/1990), nasceu em Monteiro(Pb). Foi  poeta, compositor e improvisador. Foi vaqueiro, policial, auxiliar de enfermeiro e vendeu cuscuz em Recife. Foi alfabetizado já em idade adulta iniciando sua vida profissional com a viola aos 25 anos. Morou em Porto Velho (RO) e Boa Vista (RR). Também morou nas cidades pernambucanas de Sertânea e Caruaru. Era conhecido como o Cascavel do Repente. Definiu o poeta como aquele que “tira de onde não tem e põe onde não cabe”.

 


 

Alguns fragmentos da obra de Pinto do Ponteiro.

Recebi mais de um poema
Fazendo interrogação
Porque eu da profissão
Mudei de rumo e sistema
Resolverei um problema
De não poder tolerar
Muita gente a perguntar
Ansiosa para saber
Em verso vou responder por que deixei de cantar

Deixei porque a idade
Já está muito avançada
A lembrança está cansada
O som menos da metade
Perdi a facilidade
Que em moço possuía
Acabou-se a energia
Da máquina de fazer verso
Hoje eu vivo submerso
Num mar de melancolia…

 

 

*****

 

 

Eu comparo esta vida
à curva da letra S:
tem uma ponta que sobe
tem outra ponta que desce
e a volta que dá no meio
nem todo mundo conhece

Esta palavra saudade
conheço desde criança
saudade de amor ausente
não é saudade (é lembrança)
saudade só é saudade
quando morre a esperança

Aonde eu chego, não vi
Mal que não desapareça
Raposa que não se esconda
Bravo que não me obedeça
Letrado que não me escute
Cantor que não endoideça

Cantar com quem canta pouco
é viajar numa pista
com um carro faltando freios
o chofer faltando a vista
e um doido gritando dentro
atola o pé motorista

Minha corda não se estica
não se tora nem se enverga
da terra pro firmamento
meu pensamento se alberga
em um lugar tão distante
que lente nenhuma enxerga

Eu vou fazer uma casa
na Serra da Carnaíba
a frente pra Pernambuco
as costas pra Paraíba
só pra não ver duas coisas:
Nem Sumé, nem João Furiba

Há vários dias que ando,
Com o satanás na corcunda:
Pois, hoje, almocei na casa
Duma negra tão imunda,
Que a prensa de espremer queijo
Era as bochechas da bunda!

 

 

 

*****



Eu admiro o tatu
com desenho no espinhaço
que a natureza fez
sem ter régua nem compasso
eu tenho compasso e régua
pelejo, porém, não faço

Envie poemas, minibio e foto para o e-mail lausiqueira@yahoo.com

Francc Neto

  Minha jornada como poeta começou na adolescência,  publicando poemas em revistas e jornais.  Ao longo dos anos, minha poesia foi reconheci...