Filha de mãe paraibana e com a ancestralidade dos povos Tabajara, Elizabeth Olegário nasceu em Natal. Mantém relação direta com a Paraíba há mais de dez anos, tendo residido por quatro anos em João Pessoa onde cursou o mestrado. Atualmente reside em Lisboa onde é doutoranda em Estudos Portugueses. Área de Especialização: História do Livro e Crítica Textual, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (NOVA FCSH). É bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia de Portugal – FCT/PT (SFRH/BD/145768/2019). É investigadora integrado no CHAM (Centro de Humanidades), é membro do Grupo de Investigação em Leitura e Formas de Escrita do Centro de Humanidades da Universidade Nova de Lisboa (CHAM NOVA FCSH). É membro da Ação COST 18126 – “ Escrever Lugares Urbanos – Novas Narrativas da Cidade Europeia” e membro do grupo: Ensino, Diferença e Produçºao de Subjetividade, da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Rio Grande do Sul, Brasil
É mestra em Comunicação e Culturas Mediáticas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e licenciada em Língua e Literatura Portuguesa pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). É escritora, poeta e crítica literária. Possui recensões críticas e ensaios publicados no jornal Le Monde Diplomatique – Edição Portuguesa (Portugal), jornal da Feira de Quelimane (Zambézia/Moçambique), Revista O Galo, ( Fundação José Augusto/ Secretária de Cultura do Rio Grande do Norte). Entrevistas no jornal A União, da Paraíba (Paraíba/Brasil), Jornal Potiguar Notícias (Natal/Brasil), Jornal Saiba Mais (Natal/Brasil), suplemento literário Correio das Artes (Paraíba/Brasil), poemas na revista cultural portuguesa Gerador (Portugal) e na revista InComunidade (Portugal) entre outros. Participou na Feira do Livro de Maputo (2022), 1ª e 2ª Feira do Livro de Quelimane – Zambézia/Moçambique (2021 e 2022).
LESBOS
Enquanto alguns
aproveitam as férias
no mar azul da Itália:
Camogli , Baia del Silenzio, Monterosso
Ilha de Elba, Chiaia di Luna,
Costa Amalfitana e Spiaggia dei Frati.
Mulheres e crianças em longa espera se
desesperam
ao ver os corpos de outras tantas crianças
serem levados pelas correntes do Mar
Adriático.
Se isto fosse um poema
os leitores se lembrariam que Safo
também teve seu corpo levado
por estas mesmas correntes,
mas isto não é um poema
e os corpos negros, migrantes e pobres
jamais serão lembrados.
Ser um refugiado é estar desapossado de si.
É ser um corpo esperançoso equilibrando-se
sobre a morte.
Ser uma mulher refugiada em um campo de
refugiados
é estar em delito.
É preferir dormir com fraldas
A ter de ir, à noite, à casa de banho.
De servem os valores humanitários?
De que serve a poesia em Camp Moria?
A poesia de nada serve.
Nunca houve humanidade,
foi por estar certa disto
que há 2.600 anos Safo
lançou-se do penhasco de Lêucade.
Os fragmentos de seus poemas sobreviveram
à ruína.
Os imigrantes que vagam em botes
no mar Egeu desaparecerão,
pois não nos interessa as suas vidas,
nem as suas histórias.
Cinco mil e quinhentas pessoas
foram jogadas em Moria.
No campo, concentração de corpos.
sírios, iraquianos e paquistaneses.
Desconcertados.
Empilhados.
Lesbos tornara-se a ilha do desespero.
Coletes já não salvam.
A poesia de nada serve.
Recita Ro-La, uma jovem síria:
"A vida é um inferno em Camp Moria".
Enquanto corpos são levados pelas correntes
do Mar Adriático
Enquanto Ro-La recita o verso da morte.
Enquanto Safo lança-se todos os dias do
penhasco de Lêucade.
Um turista de férias repete todas as manhãs:
Che bello l'azzurro del mare italiano.
*****
AUTOIMOLAÇÃO
Friccionando o palito
de fósforo contra a caixa
Na cidade de Herat
as mulheres durante horas,
como quem ora
passam as horas
olhando o lume.
Lá, onde fala é interdita
o corpo grita.
Os olhos reconstroem a trama.
Fogo. Fagulha. Flama.
“A língua é a espera de um possível”
Seus olhos vazios
vagueiam pelo fogão à lenha
vacilantes tropeçam na chama,
que voltei como vespas
carcomendo a pele.
Todo gesto é risco.
As mulheres em Herat
Deslizam palitos
Leves e lépidos
que anseiam saltitar,
Para fora da caixa,
porém elas
com as mãos seguras
os seguram e silentes,
escutam-se.
Ainda que interdita a fala,
no Oriente o corpo fala.
os jogos de olhares,
o fósforo,
a chama,
atmosfera
silenciosa
que irrompe lógicas,
desmantela estruturas
por vez não assimiláveis
em um mundo tomado por constantes ruídos.
Na cidade de Herat
A fome é certa e o futuro é sombra.
Ir à escola é não saber se voltará viva
A gasolina,
O fósforo em chama,
A carne humana assada:
Imagem desesperada do mundo.
Destruindo o lirismo da linguagem.
O fogo procura forma.
O poema é a carne das coisas.
Vórtice.
Entre
a dor e o desespero,
com
o corpo em chama,
resistem.
Se
escrevessem versos.
Eles
seriam lâminas.
- A revolta é um pirilampo que nos acende por
dentro.
*****
A DESCOBERTA
Chegaram
com suas naus e mastros.
Invadiram
territórios,
mataram
povos e
estupraram
mulheres.
Disseram
que nossos povos
eram
infantis e incivilizados.
Com
os Napë descobrimos
que o mito é a civilização.
*****
Touro
(Para Júlio Pomar
in Memorian)
Na
sala, o touro
bailava
comigo
na
noite de inverno.
Lá
fora,
toras
de madeiras,
decomposição
de corpos e
cores
mortas.
Folhas
suicidas.
Caducas.
Lições
do tempo.
Tintas
lusitanas.
Malhoa impressionado com Gustav Klimt
Tinto
o vinho
Turva
a imagem~
Na
arena, o touro
Balé
andaluz – a incerteza da volta
Manolete
no chão.
O
limite da dança: o passo.
O
limite da vida: a morte.
No
copo a borra.
Na sala o touro.
Na
boca o travo.
Vinho
tinto
Turva
a imagem.
Encharcada
de vinho,
Toureando
a solidão
A
menina e o touro
Bailavam
na sala
nas
noites de outono.
*****
Pão
de Queijo
Nunca
andamos de mão dadas,
nas
noites de lua, nas margens do Tejo.
No
entanto construímos esferas,
e
nos oferecemos com a mesma ternura dos apaixonadas
que
caminham pela Ribeira.
O
amor percorre rotas invisíveis
Nunca
andamos de mão dadas,
nas
noites de lua, nas margens do Tejo.
Porém
dentro da tigela,
enquanto
sovamos a massa
nossos
dedos tocam-se,
constroem
luas,
silentes,
falam de amor.